A degradação quotidiana: "Não há papel e não sabemos quando" |
Luis Dufaur
Escritor, jornalista,
conferencista de política internacional, sócio do IPCO, webmaster de diversos blogs |
A equipe da seleção argentina que foi participar dos jogos eliminatórios na Venezuela foi avisada para levar o essencial: papel de toilette e alimentos, embora tivesse reservado um hotel cinco estrelas, registrou o jornal “La Nación” de Buenos Aires.
Os jornalistas verificaram que a corrida de táxi de 10 minutos até o centro da cidade de Mérida, local do jogo, podia custar 600 bolívares (93 centavos de dólar), ou 1100, ou 900. Refrigerantes, cerveja, um prato de comida, todos os preços navegavam na incerteza.
Os habitantes explicavam que “tudo é relativo, os preços mudam todos os dias”. Único ponto de referência era o salário. A metade da população recebe o ordenado oficial de 22.576 bolívares (cerca de 100 reais) e mais 42 mil em bônus de alimentação.
O quilo de farinha de milho, alimento nacional por excelência, custa 190 bolívares, de acordo com os preços do governo, mas não se encontra: é preciso pagar entre 1.600 e 2.000 bolívares.
Um quilo de queijo no mercado negro custa entre 3.500 e 4.000 bolívares, o quilo de carne entre 3.800 e 4.500, o quilo de leite em pó, 5.000. Quatro rolos de papel higiênico custam na rua 1.800.
O FMI teme uma inflação de 700% neste ano.
A confusão é máxima quando se fala das taxas de câmbio, porque há três: as duas oficiais e a do mercado negro. A taxa oficial, para alimentos e remédios, é de 10 bolívares; para os demais produtos é de 646 bolívares.
O negro estaria estagnado em 1.000, mas é perigoso obtê-lo. Não há notas de bolívares para comprar: a nota mais alta é de 100 bolívares, que equivale a 15 centavos de dólar ou 48 centavos de real. É habitual ver pessoas circulando pelas ruas com grandes pacotes de notas.
“Hoje, o venezuelano só pensa em comida, nada de espairecimento ou lazer”, explicava Perozo, jornalista venezuelano de Maracaibo.
Comprar entradas para jogo de futebol era luxo reservado a poucos. Menos para os apaniguados do regime, para os quais a estatal do petróleo PDVSA repartia ingressos aos montes. O governo tinha um objetivo ideológico: evitar que das grades partisse o cântico “Este Gobierno va a caer”.
Por sua vez, segundo “La Nación”, os jogadores venezuelanos guardavam estarrecedor mutismo sobre a situação de miséria e doença que eles conhecem, com pacientes graves beirando a morte por falta de medicamentos.
O Estado assumiu as despesas e o controle da seleção “Vinotinto”. A maioria deles joga no exterior e não quer se expor a represálias por parte do governo.
A voz de qualquer dos jogadores mais conhecidos poderia suscitar uma onda de críticas. Salomón Rondón, que joga na Inglaterra, ousou dizer em entrevista ao “The Guardian” que “a vida em Caracas já não é vida. Você é assediado pela incerteza de ser morto, se você sai para trabalhar não sabe se volta para casa. É um caos. Eu sofro pela minha família, temo que sejam sequestrados. Quando vou visitá-los, tento passar despercebido, não ser visto por ninguém”.
Por causa dessa declaração, Rondón, ídolo da “Vinotinto” foi repreendido pelo presidente da Federação Venezuelana de Futebol, dependente do dinheiro do governo.
Jogadores assaltados. Todos temem as represálias do governo se dizerem algo. |
Ninguém foge da mordaça oficial, conclui “La Nación”.
A impunidade do crime organizado também ligado à máquina ideológica socialista piora as coisas. A delegação completa do clube Trujillanos foi sequestrada numa estrada durante duas horas e meia na semana prévia a um jogo pela Copa Sul-Americana.
O local fica a 240 quilómetros da capital Caracas, e a delegação foi despojada de todos seus pertences ficando de torso nu. Os criminosos agiram com armas de alto calibre e ameaçaram explodir o ônibus com granadas se havia algum sistema de localização satelital ligado, noticiou “Clarín”.
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