quarta-feira, 20 de agosto de 2008

União do campo e da cidade derruba reforma agrária na Argentina

Manifestação contra confisco socialist, Rosario, Acontecendo na América Latina
A velocidade da derrocada psicológica do regime populista do “casal presidencial” argentino Kirchner torna velha qualquer informação.

A ambigüidade do peronismo ‒ que acoberta tendências nacionalistas junto com outras de esquerda e até extrema-esquerda ‒ voou pelos ares quando a presidente Cristina Kirchner decretou um conjunto de impostos sobre a agricultura que podiam chegar até o 95% da produção da soja, além dos demais tributos e obrigações. Sob o rótulo de “retenciones” jamais devolvidas, o governo procedia a um confisco quase total da produção.

O conjunto de medidas caracterizou uma verdadeira reforma agrária. De fato, a imprensa espanhola muito atenta a quanto se passa no país vizinho, não hesitou em aplicar o termo. Na Argentina, o termo era esquivado, pois tem uma conotação claramente pró-comunista.

Pelo campo, Rosario, Acontecendo na América LatinaNo Brasil, a imprensa abafou esta essência ideológica do caso argentino se limitando a considerações economicistas que fugiam do cerne do problema.

Era, porém, uma reforma agrária diferente da brasileira. Esta ataca mais diretamente à titularidade da propriedade seguindo um esquema de procedimentos acompanhados de invasões análogas à reforma agrária soviética.

A reforma agrária argentina começava por via tributária. Ela, de início, transformava os proprietários em uma espécie de servos da gleba nas mãos do governo. O confisco da produção provocava uma imediata queda da produtividade.

Uma vez esta queda constatada, numa segunda fase, o governo poderia aduzir falta de capacidade dos proprietários para produzir solidariamente e acabaria lhes tirando a propriedade. Assemelhava-se mais à reforma agrária de Mao-tse-tung, na China.

Panelaço frente à Casa Rosada, palácio presidencial, Buenos AiresA população das cidades identificou-se logo com a causa dos ruralistas. Contínuas manifestações espontâneas com panelazos, bocinazos e protestos diversos paralisaram incontáveis pontos de Buenos Aires, Córdoba e Rosário, as maiores cidades. Houve protestos análogos em quase todo o país.

A indignação nacional se fez sentir diretamente sobre deputados, senadores, prefeitos e governadores.

Ovos para casa de deputado kirchnerista, Tucumán, Acontecendo na América LatinaPopulares concentravam-se diante das residências dos mesmos e de seus parentes pedindo pelo bem do campo. Políticos e sindicalistas eram vaiados em bares e restaurantes, inclusive os mais caros que costumam freqüentar.

Na populosa província (Estado) de Tucumán, por exemplo, bares do centro da cidade afixaram a lista dos deputados federais qualificando-os de “pessoas não-gratas” no local.

O prefeito enviou então uma inspeção de saúde que, obviamente, fechou os locais. Porém, os clientes recusaram-se a sair. No fim, os agentes municipais, transformados em instrumentos de repressão, se afastaram envergonhados.

Ato governista contra os proprietarios agricolas. Buenos AiresA tentativa populista de atropelar a opinião pública platina teve um fim quando o governo convocou um manifestação para se contrapor simultanea-mente a uma manifestação em apoio do campo.

Na manifestação governista a presença era largamente paga com fundos governamentais. Entretanto, nela predominou o desânimo e a frustração.

Além dos agitadores piqueteiros peronistas, socialistas, guevaristas e marxistas, compareceram algumas famílias recrutadas à força ou seduzidas pelo dinheiro pago pelos sindicatos.

Foi notável a proporção de intelectuais, jornalistas, funcionários públicos e políticos profissionais. Porém, a soma total foi pífia.

Vendo a escassez do público arrebanhado, Nestor Kirchner ‒ agora presidente do Partido peronista, e principal orador do ato ‒ apressou o fim do mesmo, pronunciou um discurso prepotente e ameaçador, e ... desmaiou. A dispersão deu-se na decepção.

Multidão pelo campo, Buenos AiresEnquanto isso, as correntes de opinião argentina opostas ao socialismo populista do governo e à sua reforma agrária, reuniram um verdadeiro oceano de manifestantes nos enormes espaços dos jardins de Palermo, um dos bairros mais elegantes da capital.

A mídia brasileira exagerou desmedidamente a presença de populares no ato governista, atribuindo-lhe 90.000 participantes.

As equipes gráficas dos grandes jornais brasileiros fizeram prodígios técnicos para recortar as fotos que patenteavam imensas clareiras no ato das esquerdas governistas.

Os mesmos jornais reconheceram que a presença no ato pelo campo e o agronegócio compareceram “pelo menos 220.000” cifra comicamente baixa se considerada a multidão infindável pela propriedade agrícola ali reunida.

Manifestação em defesa da propriedade agrícola, Buenos AiresPouco depois, o Senado deu golpe de morte ao decreto socialista e confiscatório que o governo tentara transformar em lei. Na residência presidencial chegou-se a excogitar seriamente numa renúncia da presidente com a intenção de forjar um sobressalto nas esquerdas e reunir populares que pedissem para ficar. Mas logo ficou evidente que o “povo” não iria em quantidades apresentáveis. A solidão do governo atingiu então ponto dramático.

No início do ano, as pesquisas ‒ se é que alguém na Argentina ainda a-credita nas pesquisas ‒ davam a Cristina Kirchner quase 60% de popularidade. Cifra para competir com o presidente Lula. As mais recentes apontam menos de 20%, até 15%, sempre benevolentes em relação ao governo que é seu maior cliente.

Padroeira da Argentina no ato de Rosario. Acontecendo na America Latina“Desastre”, “catástrofe”, “fim de uma era”: a mídia argentina e internacional não poupou carregados qualificativos para definir a magnitude do revés esquerdista no país vizinho.

Desde então, o governo populista de Cristina Kirchner bate em retirada, demitindo ministros, silenciando projetos de impostos e medidas antipopulares. Retrocedendo o mínimo possível e procurando engabelar as forças sadias do país.

Nisto manifesta estar muito mal à vontade face à Argentina conservadora que se revelou vigorosamente nesta tentativa de reforma agrária.


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