No artigo “La plaza llena, los calabozos también” publicado pelo diário “El País” ela fez um balanço dos efeitos da visita de S.S. Bento XVI a Cuba que incita à compaixão pelo tão sofrido povo cubano.
O fato já vinha sendo denunciado largamente pela dissidência cubana: a viagem pontifícia constituiu um dos capítulos mais lúgubres da repressão marxista na ilha, acolitada pelas mais altas autoridades eclesiásticas.
Seja da dissidência cubana vítima de violenta repressão, seja de cubanos exilados, seja de jornalistas independentes, o juízo geral vinha sendo o mesmo. Uma mascarada montada pelo regime, enquanto os sorridentes prelados – para o regime é claro, não para o povo perseguido e enxotado nas cárceres – bajulavam Fidel e os algozes que oprimem o país.
O artigo de Yoani dispensa comentários. Ele foi reproduzido em numerosos órgãos de imprensa internacional.
Yoani, jovem voz feminina impedida de sair da ilha-cárcere, teve a coragem de dizer o que os habilidosos condutores da política de aproximação vaticana com o comunismo pareciam não saber, não ver ou silenciaram.
Um dos detidos dessas jornadas conta que o levaram até uma cela de janelas tapadas no leste da capital.Praça cheia, calabouços também
Depois dos encontros na Praça da Revolução, quando a multidão vai embora e se desmontam as tribunas, alguma coisa me faz lembrar do ator que limpa a maquiagem ao final do espetáculo.
As bandeirolas de papel jazem atiradas no chão, os caminhões carregam as barreiras metálicas e os técnicos retiram com cuidado os equipamentos de som.
Nunca se vê mais vazia essa ampla esplanada que há poucos minutos abrigou uma multidão. impressão de vazio chega invariavelmente, embora a multidão não tenha entoado palavras de ordem em coro, mas murmurado rezas, não haja concluído com um "venceremos", mas com um "amém".
Logo depois que Bento XVI terminou a missa em Havana e subiu no papamóvel, essa sensação de vácuo ficou ainda mais acentuada.
Os fiéis regressaram com a fé renascida a seus lares, os policiais respiraram aliviados pela ausência de incidentes graves e os cárceres começaram a se abrir.
Por toda Cuba, centenas de pessoas foram detidas e impedidas de sair de suas casas para não se aproximarem dos lugares onde o papa oficiaria suas homílias.
Um informe - ainda inconcluso - da Comissão de Direitos Humanos e Reconciliação Nacional contabiliza mais de 400 ativistas levados a postos policiais ou retidos em seus domicílios.
A envergadura e eficácia de toda essa onda repressiva, popularmente chamada de operação "voto de silêncio", relatam que ela foi preparada meticulosamente com semanas ou meses de antecedência.
O país parecia em alerta máximo e não só pelo transporte cortado ou pelos telefones sem serviço. Alguma coisa mais estava sendo testada nessa visita.
Em meio aos apertos econômicos em que vivemos, uma ofensiva desse tipo deve ter deixado exauridos os cofres nacionais e comprometida parte dos recursos necessitados com urgência em outros setores.
'Dia X'. Há mesmo quem assegure que a estada do papa entre nós serviu para fazer um ensaio geral dos mecanismos coercitivos preparados para o "dia X".
Assim é chamada popularmente a jornada em que se anunciará a morte de Fidel Castro e para a qual tudo parece preparado, orientado. Ao menos já sabemos como transcorrerão as primeiras 24 horas depois do magno falecimento: dissidentes atrás das grades, comunicações cortadas e olhos à espreita em cada esquina.
Como em qualquer evento de prolongada sedimentação, essa viagem de Bento XVI a Cuba terá de esperar algum tempo para que comecem a aparecer balanços conclusivos.
Ao menos por enquanto, não nos consta que o papa tenha se entrevistado com algum representante da sociedade civil ilegalizada, embora tenha aceitado receber o convalescente ex-presidente cubano.
Ele não teve um minuto para as integrantes do grupo Damas de Branco, mas reservou quase meia hora para Fidel Castro, que compareceu acompanhado de sua mulher e dois de seus filhos.
Coragem. Sua Santidade falou para uma Praça da Revolução repleta de crentes e não crentes, provavelmente em um momento em que já estava informado do expurgo ideológico que havia arrebatado numerosas ovelhas de seu rebanho.
Por que não aludiu a elas na sua homília?
Qual foi a razão para ter evitado, no aeroporto, algumas palavras de conforto aos que foram impedidos de chegar às cercanias de seu báculo?
Naquele dia, o manto papal demonstrou que não era capaz de proteger a todos os cubanos.
O momento da detenção, em plena via pública e várias horas antes de o papa aterrissar em Havana, parecia tirado do roteiro de um péssimo filme de ação.
Na cela onde o recolheram, ele encontrou outros três opositores detidos enquanto perguntavam no posto policial sobre o paradeiro de um colega.
Por um pequeno furo que dava para a rua eles passaram a noite gritando números telefônicos para que algum transeunte avisasse a suas famílias.
Isso porque lhes fora negado o direito de dar ao menos um telefonema.
Através da grade, eles só conseguiam ver os pés dos meninos que jogavam beisebol, os sapatos dos anciões que iam ao bar e as delgadas patas dos cachorros.
Durante a madrugada, repetiram os mesmos números várias vezes até não terem mais voz para continuar.
Eles ainda não conseguiram averiguar quem se comunicou com seus amigos e parentes, mas quando foram libertados, alguns desses já estavam informados das detenções.
Talvez um desconhecido tenha ouvido aqueles números que brotavam de um pequeno furo à beira da calçada e resolvido então ser o mensageiro de tão urgentes recados.
Seja como for, muitos cubanos esperam descobrir a maneira, o mecanismo, para informar ao pontífice o que ocorreu nos bastidores de sua visita.
Do lado de cá de uma persiana fechada, dentro de um cela vigiada ou numa praça tomada pela segurança do Estado, sempre pode restar um furo através do qual lançar uma mensagem.
Será que a escutarão do outro lado?
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