Preocupado e contundido, o Brasil acompanha o surpreendente engajamento presidencial na crise de Honduras.
Sem dúvida Honduras inspira compaixão se tratando de um país sem forças proporcionadas para se defender em face de uma investida internacional massacrante.
Porém, o que angustia, e em profundidade, é o que pode advir ao Brasil em decorrência da virada na linha de conduta oficial patenteada no caso do país centroamericano.
Com efeito, nos últimos anos, o presidente Lula tentou passar uma imagem de moderação. Ele passou a evitar o populismo agressivo e o mal velado comunismo do coronel venezuelano. E até fugiu de se fotografar perto dele nos encontros internacionais.
Desta maneira, o look “Lula-2009” ficou quase nas antípodas do “Lula-1979”, para citarmos uma data. A imagem de Lenine nacional foi sendo substituída pela de um político de esquerda instalado no poder, pouco ávido de renunciar aos benesses que ele traz.
Sem dúvida, o Lula “versão 2009” não rompera interiormente com a “versão Lula-Lenine” de 1979.
Ele próprio deixava-o transparecer com clareza em gestos de amizade e apoio àqueles que outrora deveriam ter engrossado sua “vanguarda do proletariado”, e que hoje se agitam, ou vegetam, em movimentos sociais e CEBs. Estes, entretanto, hoje se dizem zangados e desanimados.
A decepção veio porque eles acharam que as reformas radicais prometidas pela “versão Lula-Lenine” se concretizariam com a entrada do líder no Planalto.
Porém, no fim de dois mandatos ditas reformas não se realizaram, ao menos com a radicalidade sonhada.
Acresce que o líder tampouco fez a demolição do vituperado capitalismo privado representado por instituições econômicas particulares e - ponto mais sensível ainda - pelas poupanças das classes médias.
Antes bem, a “versão Lula-2009” presidiu um equilíbrio ‒ é o que parece para os não-especialistas em economia ‒ de contas, inflação e juros que favoreceu ‒ ou pelo menos não depredou ‒ as economias particulares. Estas continuaram, mal que mal, trabalhando e até prosperando.
Assim o “Lula-2009”, encarnando o mal menor, caminhava para seu ultimo ano de mandato sem apoios entusiásticos e sem oposições dinâmicas.
A eleição de 2010 seria outros quinhentos...
Mas, eis que irrompe o caso de Honduras. E subitamente o “Lula-2009” como que volta no tempo e mostra seu lado “Lula-Lenine”.
Escreveu-se muito sobre a constitucionalidade da ação de Zelaya; sobre o intervencionismo arrogante de Hugo Chávez; falseamento das posições num sentido ou num outro. Não acrescentaremos nada ao já conhecido.
Afinal de muitas mexidas parecia que a encrenca de Honduras caminhava para uma superação pacífica. Essencialmente haveria eleições gerais e o povo escolheria democraticamente um novo presidente. Este seria o “jeito” de encerrar a briga. Nesse caso, a cordura e o bom senso teria prevalecido e o pesadelo teria sido afastado.
Mas, o bom senso era o que no poderia prevalecer na ótica do coronel venezuelano, sucessor de Fidel Castro na promoção do socialo-comunismo nas Américas.
Chávez tentou tudo o que seu engenho perturbador conseguiu aprontar. Mas a pequenina Honduras reagiu dignamente às injunções do tiranete socialista estrangeiro.
Além do mais, em diversos episódios ficou claro que Zelaya não tem base suficiente na população que o leve de volta e o sustente na presidência.
Chávez precisava de alguém.
O presidente Obama, a União Européia, a OEA, a ONU, os vizinhos sul-americanos que condenaram o “golpe” tiveram suficiente esperteza para deixar correr as coisas até a solução eleitoral pacífica.
Mas, essa solução não era desejada por Chávez. Ele e Zelaya percebiam que não iriam convencer a opinião pública da pobre, mas corajosa Honduras.
Era preciso dar um pontapé na mesa, violentar a situação, quebrar o país que cometia a heresia de querer ser ele próprio na ordem e na paz sem ingerências subversivas.
Foi nessas circunstâncias que o presidente destituído pela Corte Constitucional “se materializou” na embaixada brasileira em Tegucigalpa junto com algumas centenas de militantes.
Expressiva matéria da revista "Veja", de 30/09/2009
Apenas instalado na embaixada, Zelaya pregou a “desobediência civil”.
Seus seguidores vestidos com camisetas e gorrinhos vermelhos chavistas sabiam o que isso significava. E começaram os saques, depredações e atentados à propriedade de cidadãos inocentes.
Afinal a tentativa não deu certo e as diminutas forças da ordem hondurenhas restabeleceram o império da lei. Mas Zelaya desde a embaixada brasileira continua incitando à confusão e à derrocada do governo.
Ninguém hesita em manifestar pelo menos estranheza diante das facilidades concedidas pelo Brasil a Zelaya e seus capangas.
Ainda menos se duvida da intervenção ilegal de Hugo Chávez.
De início o verborrágico líder socialista, desde Caracas, atribui-se a si próprio o comando na embaixada brasileira e dos fatos revolucionários em Honduras. Depois de urgentes telefonemas, dobrou a língua e ficou em silêncio.
Com o microfone ficou só o presidente Lula.
A embaixada brasileira virou comitê político articulando uma revolução ao serviço da arrogância de Chávez. “Na contramão da tradição diplomática nacional, o Brasil se intromete na política interna de outro país e o faz da pior maneira possível como coadjuvante de Hugo Chávez”, escreveu “Veja” (30/09/2009).
“Não cabe ao Brasil se imiscuir nos meios e modos internos de outro país” comentou Dora Kramer (“O Estado de S.Paulo”, 23/09/2009).
Presidentes Lula e Chavez na Ilha Margarita, 27/09/2009. Foto Ricardo Stuckert-PR
“Estamos reféns das ambições eleitorais de Zelaya” observou o embaixador Marcos Azambuja, vice-presidente do Centro Brasileiro de Relações Internacionais (Cebri).
“Isto provavelmente vai se arrastar e pode se tornar violento. É difícil ver uma situação de vitória”, observou Rubens Barbosa, ex-embaixador brasileiro em Washington.
“Compramos uma briga que não é nossa e agora o risco é ser pego no fogo cruzado. É uma batata quente” e “se é difícil ver algum ganho para o Brasil, é fácil esperar um sério arranhão em nossa credibilidade”, acrescentou ele (“O Estado de S.Paulo”, 24/09/2009)
Com danoso efeito para a respeitabilidade do País, na mídia internacional, os comentários se afastavam do Brasil e da sua ingerência no caso, vendo na ocorrência um tropeço que lanha a reputação de Itamaraty e destrói anos de progresso diplomático.
A manobra avessa de Zelaya “é muito singular, não tem precedentes”, disse Francisco Rezek, ex-ministro das Relações Exteriores e juiz da Corte Internacional de Haia (“O Estado de S.Paulo”, 23/09/2009).
Celso Lafer, também ex-ministro das Relações Exteriores, lembrou que Convenção Interamericana de Caracas, de 1954, exige que o Estado que conceder asilo não permita ao asilado “praticar atos contrários à tranquilidade pública nem intervir na política interna” (“O Estado de S.Paulo”, 24/09/2009).
Mas, perturbar a tranquilidade pública e impedir as eleições parece ser o objetivo da manobra de Zelaya com o apoio rumoroso da “versão Lula-Lenine” e com grande regozijo do líder do “socialismo do século XXI”.
Zelaya deveria “ser impedido de servir-se do espaço brasileiro como um palanque”, comentou editorial da “Folha de S.Paulo” (24/09/2009). Mas ele não está sendo impedido senão acobertado. Por isso, procede se dizer que “o Brasil está no meio do furacão” (Folha de S.Paulo, 22/09/2009).
“Zelaya está fazendo um comício dentro da embaixada brasileira” disse o senador Heráclito Fortes e, segundo comentou a agência Reuters, o “papel do Brasil em Honduras pode ser tiro pela culatra”.
Nos mesmos dias, a “versão Lula-Lenine” deu outros sinais inquietantes. Ele convidou o presidente iraniano Mahmoud Ahmadinejad para visitar o País em novembro, e anunciou que retribuiria a visita.
O anúncio ocorreu em Nova Iorque, onde o iraniano tempesteou contra Israel diante de um plenário abandonado pelos representantes de grande parte das nações e onde a legação brasileira constituiu um dos poucos presentes.
Ahmadinejad aumentou a tensão pondo em andamento nova usina de enriquecimento de urânio para uso militar.
A tensão está crescendo tanto que o dialogante presidente Obama retomou a hipótese de utilizar a força contra o plano nuclear iraniano.
Nesse contexto, a “versão Lula-Lenine” que parecia adormecida pôs em pé de igualdade os direitos do Brasil e do Irã a desenvolverem seus planos nucleares.
Com esse artifício verbal posicionou o País de modo perigoso caso saia atrito militar no Meio Oriente.
Após a reunião da ONU, onde não obteve a condena de Honduras nos termos que desejava, a “versão Lula-Lenine” fez frente comum com Chávez e Gadaffi contra a própria ONU, por ocasião da segunda Cúpula de América do Sul-África, na Venezuela (”La Jornada”).
Presidente Lula com ditador islâmico da Líbia Muhamad Gadaffi, Ilha Margarita, Venezuela, 27/09/2009. Foto Ricardo Stuckert-PR
“O Conselho de Segurança da ONU perdeu importância” disse ele, perto do líder líbio cujos destemperos o respeito pela razão humana impede reproduzir (id. ibid., cfr. também “O Estado de S.Paulo” 24/09/2009).
É, portanto, compreensível que o Brasil, e os países que olham com simpatia o País, se sintam profundamente preocupados.
Pois, se a “versão Lula-Lenine” estender sua projeção para a política nacional, para quais abismos o País não poderá ser empurrado?
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Muita tristeza, o que sinto com tudo isso, e vendo que estamos indo para conflitos futuros, aqui no Brasil, com essas forcas da esquerda, no poder. O Forum de Sao Paulo, esta bem articulado e conseguindo seu intento de transformar toda a America do Sul e Central, numa grande "Cuba". Sabemos quem sao, todos os lideres dessa empreitada, e pergunto, ficaremos parados?
ResponderExcluirCelso Lafer é aquele ministro das Relações Exteriores do Fernando henrique que tirou os sapatos para ser revistado nos EUA?
ResponderExcluirNão creio que tenha muito a dizer sobre soberania nacional...