Real cunhado em Potosí, atual Bolívia |
Luis Dufaur
Escritor, jornalista,
conferencista de política internacional, sócio do IPCO, webmaster de diversos blogs |
Uma falsa visualização apresenta a América Latina fadada a ocupar uma posição secundária no concerto das nações. Para isso contribuíram – e seguem contribuindo – governos e ditaduras de esquerda, por vezes até histriônicas, mas sempre empobrecedoras, cultural e economicamente.
Nessa minimização da importância real do nosso continente acaba pesando também o fato de ser um imenso conjunto maioritariamente católico, onde residem a quase metade deles no mundo.
Mas muitos sintomas ou pequenos fatos nos revelam que o continente possui recursos que em momentos históricos foram bem aproveitados e lhe deram uma importância inesperada.
Quem olha para nossas desordens econômicas tomará uma surpresa sabendo que da América do Sul saiu a moeda que exerceu sua hegemonia no comércio mundial durante mais de 300 anos, como documentou “La Nación” em extenso trabalho.
Ela precedeu a libra esterlina de ouro britânica e serviu de modelo para os americanos desenvolverem seu próprio dólar, hoje a moeda hegemônica.
Minas de Potosí no tempo español |
Mesmo após o declínio do império manteve-se como uma das moedas mais competitivas do mundo, estendendo seu domínio até o final do século XIX.
A moeda foi criada pelos Reis Católicos da Espanha em 1497, após completar a expulsão dos mouros da península ibérica e o início da evangelização da América, com o decreto dito “Pragmática de Medina del Campo” que estabeleceu o Real de prata, como unidade de pagamento.
Nos reinados de Carlos V da Alemanha e Felipe II, a meados do século XVI instituíram o “real de a oito” com a prata que provinha especialmente do México e de Cerro Potosí, atual Bolívia.
“Por volta de 1535 foram criadas as primeiras casas da moeda na América – local onde se cunham moedas – em México e Santo Domingo. Com a grande quantidade de prata americana, os reis católicos criaram o “real de dois”, o “real de três”, o de quatro... porque a melhor forma de movimentar a prata é com moedas”, explicou à BBC Mundo José María de Francisco Olmos, professor de história da Universidade Complutense de Madri e pesquisador em numismática.
“Depois desse pequeno caos de peças, foi feito o ‘real de oito’, multiplicando por 8 o real dos Reis Católicos", especifica o professor.
Real de 8 de 1765 |
Foi um rio de ouro e prata que entrou na Europa, e “todos concordavam que era uma prata muito boa, e se tornou a moeda de referência em todos os outros países”, acrescenta José María de Francisco Olmos.
No século XVIII, o “real de a oito” consolidou-se como moeda global após a Guerra da Sucessão Espanhola. Esse conflito internacional opôs as potências europeias e a Espanha concentrou-se nas suas possessões na América assumiu o controle da Real Casa da Moeda do México e mandou modernizar as suas máquinas de cunhagem.
O “real de oito” passou a ser produzido com um novo design exclusivo das colônias americanas, também conhecido como “columnaria”, pois tinha impressa as colunas de Hércules e os dois hemisférios do planeta.
O Holey Dollar, foi um real furado adotado pela Austrália, British Museum. O centro dava uma moeda de menor valor |
O “real de oito” foi aceito como moeda própria na China, Japão, Coreia e Índia, entre outros.
Alguns especialistas em numismática - disciplina que estuda moedas e medalhas - a consideram uma das de maior esplendor e beleza já cunhadas. Ela também foi aceita nos domínios do crescente império britânico durante os séculos XVIII e XIX onde foi popularizada como o “pillar dólar” (dólar dos pilares).
Na Austrália no início dos anos 1800, era chamado de “dólar holey” e havendo escassez de moeda britânica, as autoridades ordenaram a importação de cerca de 40.000 reais espanhóis, que usavam perfuradas.
Dólar español, ou Real de 8 cunhado em 1588 em Segóvia, sob o reinado de Felipe II |
Após sua independência do Reino Unido na década de 1770, os EUA conceberam sua própria moeda, modelada na moeda imperial espanhola. Os revolucionários americanos emitiram papel-moeda garantindo-o com o “real de oito” espanhol.
Ainda após nascer o dólar americano em 1785, o “dólar espanhol” seguiu vigorando até 1857. O símbolo do dólar ($) provém das duas colunas de Hércules do “real de oito”.
A independência dos antigos vice-reinados espanhóis da América marcarão o início do fim da moeda, perdendo a Espanha o controle das minas de prata americanas e de suas casas da moeda.
Porém, ela ficou competitiva até o final do século XIX. O dólar canadense, o tael chinês, o won coreano e, claro, as moedas das repúblicas americanas que nasceram da independência da Espanha foram baseadas em seu modelo
A bordo de galeões espanhóis, sofrendo até saques dos piratas, o “real de oito” cruzou o “mundo e os mares” ao longo de três séculos como moeda precursora da economia global.
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