Rumo ao ensaio de música barroca na Amazônia. |
Luis Dufaur
Escritor, jornalista,
conferencista de política internacional, sócio do IPCO, webmaster de diversos blogs |
Nas ruas e igrejas de San Ignacio, na região boliviana de Chiquitania na transição entre o Chaco e a Amazônia, a 200 kms do Brasil, soa um rumoroso desmentido à demagogia comuno-tribalista que eclodiu no Sínodo Pan-amazônico de 2018.
A população toda ela é descendente dos “povos originários” guaranis.
O comuno-tribalismo de missionários adeptos à “teologia da libertação” e ONGs herdeiras do utopismo comunista quereriam jogá-los de volta ao primitivismo precolombino.
Mas o que a população gosta é de Bach, Vivaldi e da música barroca. E a executa com tanta habilidade, bom gosto e paixão que deixou pasmo ao jornalista do “Le Figaro Magazine” de Paris que foi até essa região chaco-amazônica para fazer ampla reportagem. (dezembro de 2019, págs. 67 e ss.)
Félix, de 17 anos, apaixonado pela música barroca, mostrou à jornalista Manon Quérouil-Bruneel, o Stradivarius que ganhou como melhor aluno de orquestra municipal.
E com os olhos brilhando de emoção começou a executar uma fuga de Beethoven que os prédios coloniais da antiga missão jesuítica ecoavam naquela selvática região.
“Na Europa, os jovens acham isto cacete”, explicou o descendente de indígena à europeia. “É engraçado constatar que hoje são descendentes de índios que perpetuam esta herança longínqua”.
Nas restauradas capelas missionárias, descendentes dos 'povos originários', no caso guaranis, ensinam admiração pela música barroca. |
Vários chefes tribais guaranis decidiram se tornar suseranos obedientes aos jesuítas que lhes ensinavam a doutrina do Evangelho.
E muito especialmente a música barroca. Era algo que eles não conheciam, mas logo admiraram, fizeram sua e passaram a executar com uma maestria surpreendente, nos instrumentos e no canto.
Essa passou a ser a “língua comum” de tribos e evangelizadores que se aprendia junto com a leitura, a escritura e o catecismo.
E não foi só Vivaldi e Rameau, entre outros, que passaram a ser ouvidos nas florestas. Eles próprios, guaranis, começaram a compor partituras de um talento inegável, com o selo europeu, mas com o charme do novo que nasce para a civilização.
Intrigas anticristãs nas cortes da Europa provocaram a expulsão dos jesuítas dos vice-reinados espanhóis em 1767 e o fechamento da Ordem nos países católicos (foi restaurada em 1814).
E aquela obra providencial nascente caiu em ruínas.
Até que o missionário franciscano alemão Walter Neuwirth, hoje muito idoso e doente, chegou à aldeia de Urubichá em plena Chiquitania.
Ele conta emocionado: “descobri uma dezena de músicos autodidatas que abateram uma árvore da aldeia para fabricar violinos com suas próprias mãos.
“Eles tocavam maravilhosamente bem. Percebi logo que este povo tinha a música no sangue”.
O Festival Internacional de Barroco Boliviano
atrai a participação de artistas europeus.
Veio depois a restauração das igrejas barrocas das antigas missões, aliás admiráveis pela sua beleza na rusticidade.
Simultaneamente foi feito o incrível achado: milhares de partituras dos tempos jesuíticos, de composições europeias ou de ignotos autores locais, zelosamente custodiadas durante séculos pelas autoridades indígenas locais.
A chegada de Ruben Dario Suárez Arana, o primeiro mestre formado em Córdoba, Argentina, foi anunciada pelos sinos da igreja.
O missionário explicou aos fiéis convocados que tinha chegado um professor de música.
E os habitantes “embora – conta frei Walter – mal tinham para comer, decidiram todos participar financeiramente na criação de uma pequena orquestra”.
Uma corrente de transmissão de saber musical passou logo a se espraiar para outras cidades.
O que ensinava o jovem professor vindo de fora, era replicado em dezenas de orquestras municipais que se organizaram logo.
O conservatório começou com todas as carências, mas hoje todo ano acolhe mais vinte novos candidatos.
Aula no conservatório. Os recursos faltam, bispos não ajudam, autoridades chavistas tampouco, mas entusiasmo pela música barroca atrai novos candidatos. |
Organiza também cada dois anos um Festival Internacional de Música Barroca na cidade que atrai especialistas europeus.
Mauro Sorubi, 42 anos, preferiu se dedicar à confecção de violinos e violoncelos, os instrumentos preferidos dos jovens.
A seu ateliê a toda hora chegam rapazes e moças de bicicleta ou velhas motos para encomendar consertos em seus violinos, que querem ver os mais semelhantes possíveis ao mítico Stradivarius de Félix.
De quase toda choupana de San Ignacio saem notas: são os meninos ensaiando.
Os irmãos Jesus, 18 anos, e Luis, 14, ensaiam um concerto de Beethoven. A fim de contas eles já tem dois anos na orquestra municipal! “Nós temos a música nas veias. Mas não temos outra coisa”, diz seu pai.
A Fé e a Cultura Cristã progrediram de mãos dadas conduzidas pelos missionários tradicionais. |
Dana Cristina, 12, vive com sua mãe e seus cinco irmãos na sede de um partido político habitualmente deserta quando não há eleição. “Não posso pagar um aluguel” diz a mãe, que é padeira.
Mas Dana Cristina exibe um talento extraordinário e lhe pressagiam um belo futuro.
Ela não tem violino e pede emprestado um durante a noite. Então ensaia a ponto de criar bolhas nos dedos.
A música barroca abre os horizontes mentais das crianças. As notas de Dana na escola subiram como uma flecha com a música.
Outras crianças no contato com as escalas e melodias aspiram ser arquitetos ou astrónomos, profissões que não existem na pobre cidade agrícola de 30.000 almas incluídas as redondezas.
O prefeito, porém, deplora a falta de colaboração da Conferência Episcopal influenciada pela pregação indigenista contrária à verdadeira cultura e que destrói o futuro dos índios.
E tampouco o faz o governo que escolheu a demolição chavista-populista de Evo Morales, aliás felizmente posto para fora pelos próprios bolivianos.
Uns e outros em pouco ou nada ajudam esse promissor progresso civilizatório de essência católica.
E não conseguem impedir o admirável crescimento cultural cristão e a propensão para a Cristandade daqueles que “Le Figaro Magazine” denomina “Os virtuosos da Amazônia”.
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